O achatamento de curva não discutido

Como a pandemia pode ajudar a entender a necessidade da responsabilidade ambiental 

Por Lucas Ribas Vianna

A câmara dos deputados do Congresso Nacional brasileiro possui ao todo 513 deputados. O senado federal conta com 81 senadores. Somando políticos das duas esferas, temos ao todo 594 representantes, e de cada 5 desses, 2 fazem parte da chamada bancada ruralista. Com 257 representantes, a Frente Parlamentar da Agropecuária é o maior grupo de influência da politica brasileira. Tamanha influência não é exclusividade do contexto político atual; a defesa dos interesses dos grandes produtores agrícolas nacionais remonta ao período colonial, estando presente ao longo de toda a trajetória política a partir de então. A luta contra a reforma agrária por parte da União Democrática Ruralista, durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, é a gênese da bancada ruralista como a conhecemos hoje. 

Sendo um dos grupos políticos mais influentes em Brasília, é natural que muitas pautas que sejam de interesses dos agroindustriais consigam ser aprovadas, ainda mais com um executivo simpatizante, como o que se apresenta hoje no Palácio do Planalto. Nos primeiros 200 dias do governo atual, o Brasil liberou o mesmo número de agrotóxicos que a União Europeia liberou em 8 anos[1]. O desmatamento desenfreado de regiões interioranas do país, principalmente para permitir o avanço da soja e a indústria madeireira, é fato intrínseco à região amazônica, o que é permitido pela omissão intencional do governo quanto a políticas de fiscalização e à punição dos responsáveis[2]. 

Qualquer discussão de responsabilidade ambiental no Brasil sofre com forte e poderoso rechaçamento  não só pela bancada ruralista, mas também pelos grandes industriais e outros grupos que realizam lobby no governo contra medidas de proteção ambiental, como fica evidente nos números e histórico acima apontados. Esse atrito é observado na maioria nas nações, configurando um embate de ambientalistas contra defensores de exploração de gases naturais, petróleo e similares; havendo uma notória vantagem de recursos e poder para o segundo grupo.

A necessidade de implementação de medidas que tornem mais consciente a exploração dos bens naturais é uma inevitabilidade para qualquer um que fale em progresso e desenvolvimento a longo prazo. Grandes produtores, contudo, parecem não entender essa realidade, de forma que eles, juntamente com seus negócios, já estão sendo afetados pelas mudanças no meio ambiente e serão cada vez mais, caso mantenhamos tudo como está. Diversos estudos já mostram os impactos das mudanças climáticas causadas pelo homem na economia[3][4]

O outro achatamento de curva

                                     


A discussão do achatamento da curva de infectados pelo novo coronavírus, através do isolamento social, está em foco na maioria dos veículos de imprensa e acabou se tornando  um tópico muito familiar para a população nos últimos dois meses. Em um breve resumo, essa medida está sendo recomendada pela comunidade médica internacional para que os sistemas de saúde consigam atender à capacidade extraordinária de pacientes no meio da pandemia, e para que se possa estudar melhores medidas para o combate ao vírus.

Essa mesma lógica pode ser utilizada quando discutimos a exploração de recursos naturais. Tem-se que a quantidade desses recursos é limitada e que a exploração global mais do que triplicou nos últimos 50 anos[5]. Assim, é lógico imaginar que o dia em que esgotaremos nossas reservas de petróleo e extinguiremos nossas florestas está se aproximando cada vez mais rápido. Achatar a curva da exploração de recursos naturais significa, então, realizar  mudanças nos meios de produção e de consumo de forma que os resultados sejam capazes de possibilitar uma maior longevidade desses bens encontrados na natureza.

A grandiosa biodiversidade brasileira pode dar a impressão que esse debate não concerne à nossa realidade. Do mesmo modo que estamos presenciando nas medidas da pandemia, todavia, quanto mais cedo tomarmos as decisões acertadas, menos iremos sofrer com as consequências. O Brasil teria total capacidade de se tornar protagonista nesse novo contexto socioeconômico que se mostra irrevogável nas próximas décadas, mas para isso precisaríamos de uma profunda metamorfose nas nossas ideias de responsabilidade climática, juntamente com a ascensão de líderes políticos capazes de realizar as políticas necessárias para isso. 

Com certo otimismo, penso que toda essa discussão causada pela pandemia em que vivemos possa levar mais consciência científica para a população e para os agentes públicos. Medidas urgem ser tomadas para achatar a curva de bens naturais, e podemos nos espelhar em um plano ambicioso proposto por um grupo de deputados norte-americanos.

Green New Deal

O New Deal Verde, que faz alusão ao plano de recuperação econômica proposto pelo governo Rossevelt para enfrentar a crise de 29, é uma resolução arrojada para combater os efeitos do aquecimento global. A meta para o projeto é associar a redução de emissão de gases com lutas socioeconômicas, em pautas como desigualdade e injustiças raciais. Nas 14 páginas da resolução, são almejadas políticas de substituição de meios de produção e consumo atuais por vias mais sustentáveis. Os muitos trabalhadores que estão direta ou indiretamente ligados a setores nocivos ao meio ambiente passariam por treinamentos e capacitações a fim de serem inseridos em novas atividades. Certamente, são necessários inúmeros estudos de políticas para que esse projeto ganhe a robustez necessária para começar a ser implementado.

O ambicioso projeto ainda é apenas um conjunto de ideias, sem capacidade de legislação ou algo do tipo, mas já é fator influente no cenário político norte americano, uma vez que o candidato democrata as eleições desse ano, Joe Binden, sinalizou sua intenção de implementar medidas propostas no Green New Deal em seu possível governo[6]. Os Estados Unidos são o segundo maior poluidor mundial, superado apenas pela China, e constantemente se afastam de discussões climáticas, como fez o presidente Trump ao sair do Acordo do Clima de Paris, de 2015. Então, uma pauta climática, mesmo que ainda em um contexto de campanha, é de certa maneira simbólica, de sorte que no mínimo, pelo menos mais pessoas estarão cientes da discussão.

Maiores emissores de C02- World Bank Data[7]


A limitação dos recursos da Terra obrigarão, em algum momento, a mudança das nossas estruturas de produção e níveis de exploração. Hoje, ainda gozamos de certa abundância de bens naturais, o que nos permitiria realizar uma transição gradual e mais estruturada. Assim, a cada dia que adiamos essa transformação, estaremos perdendo eficiência e concebendo um ambiente caótico para as próximas gerações, onde não restarão muitos recursos para achatar a outra curva.

Referências


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