Corrupção: A Endemia que Debilita o Brasil
O Oportunismo Não Está em Quarentena
Por Manuel Vieira S. de Arantes
Não é de hoje que o Brasil é conhecido mundialmente por ser um dos países mais corruptos do mundo, e talvez já não existam grandes esperanças, por parte dos brasileiros, de que essa situação será algum dia solucionada. Ao longo da história recente, as fraudes chegam a ser tantas que a memória é incapaz de guardar cada nome e cada acontecimento; o que fica guardado, além das fraudes locais, são os grandes escândalos nacionais, aqueles com repercussão mundial, como o Mensalão, descoberto em 2005, e a corrupção na Petrobras, caso que desencadeou a Operação Lava Jato e a consequente descoberta de que bilhões de reais vinham sendo desviados de obras públicas em todo o país (para quem se interessa em compreender os meandros das fraudes na Petrobras, é recomendada a leitura do livro Petroladrões: a história do saque à Petrobras, do jornalista brasileiro Ivo Patarra). Não é algo incomum, no Brasil, que muito frequentemente os jornais relatem atividades ilícitas dos mais variados âmbitos, desde malas de dinheiro encontradas na casa de um ministro até o desvio do dinheiro destinado à merenda escolar.
No Brasil, a desordem impõe barreiras ao progresso |
Segundo a Transparência Internacional, organização não-governamental fundada em março de 1993, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), principal indicador de corrupção no setor público do mundo, classificou o Brasil, em 2019, como um dos países mais corruptos dos 180 que foram analisados. O índice colocou o Brasil na 106ª colocação, juntamente com Albânia, Argélia, Costa do Marfim, Egito, Macedônia e Mongólia, com um total de 35 pontos em 100 (quanto mais próximo de 100, menos corrupto é o país), pontuação essa que deixou o país abaixo da média mundial, que foi de 43 pontos. Em 2018, o resultado havia sido também de 35 pontos, tendo sido essa a menor pontuação atingida pelo país na série histórica. Na América do Sul, em 2019, o Brasil só ficou mais bem colocado do que a Bolívia, o Paraguai e a Venezuela (para acessar os resultados da pesquisa, clique aqui).
Com tantos esquemas de corrupção sendo operados e descobertos no país, não é de se espantar que os cidadãos brasileiros se tornem um tanto quanto acostumados ao roubo do dinheiro público. Contudo, com a pandemia do COVID-19 se alastrando pelo Brasil e afetando milhares de pessoas, notícias de fraudes na compra de respiradores e outros equipamentos em várias regiões do país vieram à tona, mostrando que até em situações de grande comoção nacional, não faltam bandidos oportunistas para saquear os cofres públicos.
Na corrida pela aquisição de respiradores, o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais de Saúde têm realizado compras emergenciais, que se caracterizam por não precisarem de licitação para serem executadas e que, em contrapartida, são mais susceptíveis a golpes. No Estado do Rio de Janeiro, o ex-subsecretário de saúde, Gabriell Neves, foi preso sob a acusação de corrupção na compra de repiradores, máscaras e testes rápidos. A investigação, denominada operação Mercadores do Caos, também prendeu Aurino Batista de Souza Filho, dono da A2A, pequena empresa de informática que fez a única proposta à Secretaria Estadual de Saúde: 300 ventiladores pulmonares por 60 milhões de reais. Segundo Luiz Vassallo, da Revista Crusoé, a A2A recebeu, antecipadamente, 9,9 milhões de reais, mas nunca chegou a entregar os ventiladores. Ainda no Rio de Janeiro, a compra de oxímetros também apresentou irregularidades, com o secretário de Saúde, Edmar Santos, autorizando a compra de 900 unidades sem a realização de pesquisa de preços, totalizando o valor de R$ 3,3 milhões . A operação Oxigênio, força-tarefa que investiga fraudes na compra de respiradores em 4 estados brasileiros, cumpriu mandatos de busca e apreensão em Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro, averiguando que R$ 33 milhões foram pagos pelo Estado de Santa Catarina pela aquisição de 200 ventiladores; o pagamento foi feito, mas sem sinal dos produtos, que deveriam ter sido entregues no início de abril.
Em Roraima, o mesmo esquema de corrupção parece ter sido utilizado: foram encomendados 30 respiradores por R$ 6 milhões, novamente com pagamento adiantado. Como os respiradores superfaturados não foram entregues, o secretário de Saúde, Francisco Monteiro Neto, foi exonerado do cargo. No Amazonas, estado com a pior situação pandêmica do país, suspeita-se que tenham sido feitas compras irregulares de respiradores. Os equipamentos, que foram comprados por preços até 316% maiores do que o normal, vieram faltando peças, e segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas (Creman), sequer eram os aparelhos requisitados para uso nas UTIs.
No Pará, uma força-tarefa formada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual denunciou o governador do estado pelo superfaturamento da compra de 152 respiradores e 1.580 bombas de infusão, que vieram da China. Os equipamentos, que foram pagos antecipadamente, vieram todos com defeito, sendo incapazes de salvar vidas. Em Minas Gerais, estado que, como mostrado no texto "Minas Consciente": o estado que vai remar contra a maré, toma decisões de abertura da atividade econômica em plena pandemia, existe a suspeita de que a prefeitura de Leopoldina tenha superfaturado a compra de máscaras N95 no valor de R$ 380 mil. A empresa contratada, chamada MB Atacadistas e Serviços, está situada em Varginha (MG), a mais de 400 quilômetros de Leopoldina, e em seu CNPJ consta uma empresa de estética e beleza.
O desvio de verbas é uma prática amplamente disseminada no meio político |
Hoje, 12 de maio, já são 169.626 casos de COVID-19 no Brasil, com 11.656 mortes, e é provável que esses números estejam muito abaixo da realidade, dado que o país é um dos que menos realiza testes no mundo. Como se não bastassem as fraudes na compra de equipamentos que poderiam salvar vidas, o Ministério da Defesa investiga militares que possivelmente receberam o auxílio emergencial. Como explicou o colunista Victor Bazzanella em O AUXILIO AOS MAIS VULNERÁVEIS, a assistência de R$ 600 não é destinada aos trabalhadores formais.
Ao contrário de muitos países do mundo, o Brasil não enfrenta somente uma pandemia viral, mas também um alastramento da doença chamada corrupção, uma verdadeira endemia que afeta gravemente o funcionamento da máquina pública e que se espalha por todas as camadas do poder, se transformando em prática comum daqueles que são, supostamente, representantes do povo brasileiro. Essa endemia ameaça e corrói até os políticos bem-intencionados, formando quadrilhas políticas que não permitem a realização de compras, obras e políticas públicas sem que sejam distribuídas regalias ao seu bel-prazer. Seja na construção de estádios de futebol superfaturados, na compra suspeita de caças de combate ou nos desvios dos recursos destinados ao assistencialismo, o oportunismo sempre passa à frente da boa índole, ainda que o custo do egoísmo sejam milhares de vidas. A vacina contra a pandemia viral, desenvolvida em Oxford, pode ficar pronta até o final desse ano. Quanto ao Brasil, ainda não foram descobertos meios de erradicar o seu maior problema: a corrupção endêmica, que frustra e destrói o desenvolvimento do país.
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