"Minas Consciente": o estado que vai remar contra a maré

O PLANO DE ZEMA PARA RETOMAR A ATIVIDADE ECONÔMICA


Por Manuel Viera S. de Arantes


Enquanto 17 estados brasileiros e o Distrito Federal anunciam o endurecimento das restrições para conter o novo coronavirus, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, lança o programa Minas Consciente, cujo objetivo é relaxar a quarentena para retomar a atividade econômica do estado.

De acordo com o Boletim Epidemiológico e Assistencial Covid-19, divulgado diariamente pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES), o estado possuía, até o dia 26 de abril, mais de 86 mil notificações de COVID-19, número que também englobava casos leves de síndrome gripal, que não atendem aos requisitos necessários para serem testados e que, por isso, são denominados nas estatísticas como “Síndrome Gripal Não Especificada”. Ainda no boletim de 26 de abril, é informado que, dos 23.934 casos suspeitos, apenas 4.151 (17%) tiveram coleta de amostra laboratorial e a grande maioria (80,5%) se encontra sem classificação, o que sugere que o número de casos da doença está sendo subestimado, já que não estão sendo realizados testes em volume adequado.

Informações do dia 2 de maio, emitidas pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, mostravam que o número de internações por suspeita ou confirmação de COVID-19 no estado chegava a 560. No mesmo dia, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte divulgava a taxa de 86% de ocupação dos leitos da cidade. O número total de leitos de UTI em Minas Gerais e em Belo Horizonte são iguais a, respectivamente, 2.063 e 906, números não muito animadores quando as estimativas das populações do estado e da capital são de, respectivamente, 21,1 milhões e 2,5 milhões de habitantes (dados retirados do IBGE Cidades).

Hoje, 4 de maio, há em Minas Gerais o total acumulado de 2.347 casos, dentre os quais foram registrados 90 óbitos. Além disso, há  89.056 casos e 642 óbitos suspeitos notificados pelo serviço de saúde. Para efeito de comparação, o número acumulado de casos de COVID-19 no Estado de São Paulo, que faz fronteira com Minas Gerais, do início de fevereiro até 3 de maio de 2020, era de 31.772, dos quais foram registrados 2.627 óbitos. No Rio de Janeiro, o número de casos confirmados até às 8:33 de hoje (4) era de 11.139, com 1.019 óbitos registrados. No Painel Covid-19, o Espírito Santo, estado cuja população estimada pelo IBGE Cidades é de apenas 4 milhões de habitantes, registrava 3.208 casos e 115 mortes até 3 de maio. Sendo assim, Minas Gerais é, em dados oficiais, o estado do Sudeste com o menor número de casos do novo coronavírus, informação que é utilizada para justificar o plano de retomada da economia.


Programa "Minas Consciente - Retomando a economia do jeito certo"

Segundo informações do site oficial do Estado de Minas Gerais, o programa, lançado no dia 28 de abril, dará autonomia às cidades quanto à decisão de retomar a atividade econômica, de modo que cada prefeitura determinará o grau de abertura de sua cidade.

Foto de Divulgação do Plano de Retomada

O plano divide as atividades econômicas em quatro “ondas”. A onda verde representa os serviços essenciais, a onda branca representa atividades de baixo risco, a onda amarela é a das atividades de médio risco e na onda vermelha estão aquelas atividades que representam alto risco. Existem também as ondas roxa (atividades que só poderão voltar após a pandemia) e cinza (atividades que exigem regulações próprias), como será exemplificado abaixo.

Na Tabela de Ondas, divulgada pelo Estado de Minas Gerais, cada onda engloba vários setores da atividade econômica, que são segmentados em grupos. As ondas verde e branca contêm, juntas, mais de 200 grupos de atividades econômicas, dentre eles a agricultura, a agropecuária, o comércio atacadista, as atividades de profissionais da área da saúde (exceto médicos e odontólogos) e as atividades veterinária, industrial, imobiliária e jurídica. As ondas amarela e vermelha totalizam, juntas, apenas 19 grupos de atividades, que englobam, entre outros, a hospedagem em hotéis e similares, os cursos de formação de condutores e os salões de beleza e similares. Dentre as atividades que devem permanecer fechadas (onda roxa), estão as agências de turismo, as atividades de recreação e lazer e os restaurantes. A tabela também traz as atividades que devem ser interpretadas conforme as especificidades de cada região (onda cinza), como as escolas, as faculdades e o transporte rodoviário de passageiros. Os grupos específicos de cada onda, por serem muito numerosos, não serão mencionados nesse texto, mas podem ser acessados clicando aqui.

A adesão ao plano deve ser feita por decreto próprio dos municípios, que devem também entrar com solicitação na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede).


Considerações Finais

Tendo em vista que a grande maioria das atividades econômicas foram classificadas como serviços essenciais e atividades de baixo risco, é possível verificar que o plano Minas Consciente propõe de forma explícita a quase total reabertura da economia mineira, dando carta branca aos prefeitos para retomarem quase todo o comércio das cidades e vários outros serviços em menos de um mês. A adesão das cidades ao programa não é obrigatória, mas é provável que os prefeitos sejam fortemente pressionados pela população mineira em prol da retomada. Desse modo, de acordo com dados do projeto Coronavirus-MG, o programa de reabertura pode tirar até 1,2 milhão de trabalhadores da quarentena, número que se somaria a outros 6,9 milhões de trabalhadores que já atuam em serviços considerados essenciais. Esses profissionais, que deixarão suas casas todos os dias para trabalhar, poderão voltar do trabalho infectados, transmitindo o vírus às pessoas com quem vivem e intensificando o alastramento da pandemia.

Projeção feita pelo Projeto Coronavirus-MG, note que o número de trabalhadores nas ondas consideradas de médio e alto riscos é muito inferior à onda classificada como essencial. A classificação das ondas foi feita pelo próprio plano de retomada.

Na Itália, país que passou pela mais severa quarentena do mundo, estima-se que 4,5 milhões de pessoas estejam voltando a trabalhar nessa segunda (4), mas o número de mortos no dia 2 de maio chegou a 474, maior nível desde 21 de abril. Apesar de o país ter registrado 174 mortes no domingo (3), número mais baixo desde o início do confinamento, sabe-se que o vírus só tende a se manifestar dentro de uma semana a partir do contágio, de modo que a grande preocupação é que o número de casos e de mortes volte a subir ainda nesse mês. Outros países como Estados Unidos, Alemanha e Espanha também consideram adotar medidas de retomada, motivados principalmente pela pressão dos trabalhadores e pela iminência de uma grande crise econômica mundial.

Embora esteja retomando a atividade econômica, Minas Gerais não possui um cenário semelhante ao dos países mencionados acima, já que na maioria desses locais estão sendo feitos testes em massa e existe maior infraestrutura para atender os pacientes. Com exceção da Itália, que passou por uma situação caótica nas UTIs, com muitas mortes por falta de leitos, os países europeus e os EUA são países desenvolvidos e que podem arcar com as consequências iniciais do relaxamento da quarentena, desde que monitorem o número de pessoas infectadas. Minas Gerais, que está em estado de calamidade financeira já há alguns anos, é um dos estados mais endividados do país, tendo que recorrer a acordos com o Governo Federal para que não seja declarada a moratória da dívida. Desse modo, o coronavírus representou um duro golpe à já complicada situação do estado, o que deixou a Romeu Zema uma difícil decisão a ser tomada: continuar a quarentena ou retomar a atividade econômica? O governador optou pelo segundo cenário, decisão extremamente arriscada e que se não funcionar, tornará Minas Gerais um exemplo mundial de como não lidar com a pandemia.

Comentários

  1. Uma difícil decisão... Vamos torcer para que a escolha tenha sido a melhor!

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  2. Muito bom o texto, parabéns! Vamos torcer para que a situação não fique pior em Minas.

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