O Coronavirus nas Favelas Brasileiras
Como as favelas estão enfrentando a pandemia?
Manuel Arantes, 28/04/2020
Projeto Covid19NasFavelas expõe recomendações aos moradores
No atual cenário de pandemia pelo qual o mundo atravessa, os problemas socioeconômicos do Brasil se tornam um grande entrave ao combate ao novo coronavirus. A população das regiões mais pobres do país, além de não ter condições financeiras de permanecer em isolamento e sem trabalhar, carece ainda de acesso a bens e serviços básicos, como água encanada, redes de esgoto e itens de higiene pessoal. De acordo com o Data Favela e o Instituto Locomotiva, que no final de março de 2020 realizaram um levantamento das condições de vida das mães que vivem em favelas, 92% dessas mães dizem que faltará comida após um mês de isolamento. A pesquisa, que entrevistou 621 mulheres maiores de 16, com filhos, moradoras de 260 favelas em todos os estados do país, divulgou que, das 5,2 milhões de mães que vivem nas favelas brasileiras, 72% afirmam que a alimentação de sua família ficará prejudicada durante o isolamento social e 73% dizem que não têm nenhuma poupança que permita manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja¹. Passados 30 dias desde a realização do levantamento, é provável que a situação econômica dos moradores desses locais esteja precária.
Em reportagem feita no início de abril, o UOL visitou a favela Sururu de Capote, na periferia de Maceió – AL, onde não há saneamento básico e as moradias são muito pequenas, de modo que os moradores dificilmente permanecem dentro de casa como seria recomendável. No conjunto de favelas mais pobres de Maceió, uma torneira comunitária é de onde muitos moradores buscam água para o seu dia a dia, tornando o contato entre as pessoas algo quase inevitável².
No Morro do Piolho, favela da Zona Sul de São Paulo, falta água a alguns moradores há pelo menos quatro meses, dificultando a proteção dessas pessoas contra o novo coronavirus. A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), quando questionada sobre o assunto, respondeu que a situação de abastecimento está normal na região e que existem impasses de âmbito legal para a instalação de redes de água e esgoto nos locais de ocupação irregular³. Ainda em São Paulo, as regiões mais altas da periferia convivem, desde a crise hídrica de 2014, com a falta d’água durante a noite, porque a pressão de água é reduzida nesse período do dia para conservar a rede de abastecimento. Essa prática, que é adotada pela Sabesp desde a década de 90 na Grande São Paulo, possibilitou postergar a exaustão dos mananciais que atualmente operam normalmente. Contudo, a manutenção dessa prática, que foi anunciada pela Sabesp no início do mês, prejudica as ações de combate à pandemia e torna as periferias ainda mais susceptíveis à contaminação (4).
Vulneráveis e carentes, as favelas brasileiras têm seu futuro ameaçado pelo coronavirus. No Rio de Janeiro, muitas favelas têm casos suspeitos (referência 5) e algumas já possuem casos confirmados e mortes (ref 6). Em uma região em que os moradores não conseguem permanecer em casa e que sequer possuem água para lavar as mãos, os riscos de propagação do vírus são altos. De acordo com o projeto Voz das Comunidades, que está atualizando e divulgando o número de casos de coronavirus nas favelas do Rio de Janeiro, até ontem, 27 de abril, às 18:11, haviam 154 casos confirmados e 24 óbitos registrados nessas regiões. A Rocinha, maior favela do Brasil, contava já com 54 casos e 6 mortes (acesse o site para saber mais (7)).
Os Impactos Econômicos e as Previsões para a Economia Mundial
Diariamente, nas grandes cidades brasileiras, a população da periferia desce o morro e pega o transporte público para trabalhar, subindo novamente o morro quando o período de trabalho acaba. Com o coronavírus e a necessidade de quarentena, esse deslocamento perdeu grande parte da sua magnitude, deixando muitas pessoas sem emprego e renda e trazendo consigo previsões sombrias do que virá pela frente.
Várias estimativas, de importantes bancos ao redor do mundo, atentam para uma grande retração da economia, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), que prevê um recuo de 5,3% no PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil (8). Essa diminuição no PIB significa que o valor real de todos os bens e serviços finais produzidos no Brasil, em 2020, será 5,3% menor do que o de 2019. A causa disso é que, sem funcionar, sem clientes e sem meios de se sustentar, muitas empresas reduzirão sua produção ou fecharão as portas durante esse ano, deixando de produzir e de vender seus bens e serviços. Assim, muitos brasileiros perderão seus empregos e terão que controlar seus gastos para sobreviverem em meio à crise. Com muitos brasileiros sem renda e sem consumir mais do que o necessário para a sobrevivência, a variável consumo no PIB, que mensura o valor real gasto pelas famílias em bens e serviços, sofrerá forte queda. Se as famílias não estão consumindo, é pouco provável que os investidores se sintam motivados a abrir novas empresas. Logo, a redução do consumo e da renda tende a desincentivar os investimentos em bens de capital (bens necessários para produzir outros bens) e em novos empreendimentos, já que, além de arriscados, esses investimentos têm esperança de retorno muito pequena. O setor exportador da economia poderá ver seus produtos se desvalorizarem, em virtude da diminuição do consumo dos países que importam (esse problema pode ser reduzido, ou até totalmente evitado, se o dólar estiver muito alto, já que os exportadores recebem em dólares e convertem seus ganhos para reais). Com o desemprego elevado e sem a criação de novas vagas de emprego e de novos negócios, a tendência é que a situação piore ainda mais, com mais demissões, menos consumo e menos investimentos. É por isso que as crises econômicas são situações tão difíceis de superar, seu caráter cíclico não permite que o problema seja resolvido por meio do ataque a uma única frente. As variáveis consumo (C), investimento (I) e exportações (X), que são utilizadas para o cálculo do PIB, estão intimamente correlacionadas.
No caso das favelas brasileiras, a situação econômica das famílias, que já não é boa em tempos normais, se degradará muito mais caso não sejam tomadas medidas paliativas. Economistas falam na chegada de uma crise de dimensões maiores do que a crise de 2008 (ref 9), fenômeno econômico negativo que mais abalou o mundo desde a crise de 1929.
Medidas de Auxílio às Favelas
Existem, no Brasil, algumas ONGs que ajudam os moradores das favelas já há vários anos, e essas ONGs terão agora um papel ainda mais importante. A filantropia para o combate ao coronavirus já possui alguns expoentes no Brasil, como o Fundo Emergencial para a Saúde – CoronavírusBrasil, uma iniciativa conjunta do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), da BSocial e do Movimento Bem Maior, que busca o apoio financeiro de grandes filantropos e também da população em geral (ref 10) (doe pelo site (11)). A Central Única de Favelas (Cufa), organizou uma vaquinha online para ajudar as regiões em que ela atua (doe no site (12)). Até ontem, 27, já haviam sido arrecadados 450 mil reais a essas comunidades. Paraisópolis, uma das maiores favelas do Brasil, se tornou um exemplo no combate ao coronavirus, com medidas de monitoramento feitas pelos próprios moradores. A comunidade transformou 420 moradores em presidentes de rua, responsabilizando cada um por monitorar em torno de 50 casas. Os casos suspeitos são identificados e, em caso de piora do quadro, são levados ao hospital pela ambulância (ref 13).
Essas medidas são muito importantes para que o vírus não se alastre pelas favelas e para que a população desses locais possa sobreviver no período de quarentena. Contudo, isso não será suficiente para ajudar os moradores quando a crise realmente aparecer. Seus empregos, assim como os de muitos outros brasileiros, serão perdidos. O auxílio emergencial, medida adotada pelo Governo Federal e que consiste em benefício financeiro destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, já está em vigor no Brasil, e apesar de não resolver completamente o problema, é uma medida extremamente importante para combater a fome entre as populações mais vulneráveis (para solicitar o auxílio emergencial, acesse o site (14)). O Governo Federal, para para amenizar o impacto da crise, adotou medidas como novos saques do FGTS, adiamento do reajuste dos remédios e outras decisões que podem ser encontradas no próprio site do Governo (15).
É esperado, também, um novo corte na taxa de juros básica, a SELIC, como uma maneira de, entre outros motivos, oferecer crédito a juros baixos para incentivar a abertura ou a manutenção de empresas. Isso ocorre porque quando a SELIC cai, o custo de pegar empréstimos nos bancos comerciais ou no BNDES diminui, tornando mais vantajoso tomar dinheiro emprestado. Em outras palavras, o custo do capital diminui. Além disso, a SELIC mais baixa faz com que as aplicações financeiras como o CDB, o CDI e o Tesouro Direto se tornem menos vantajosas, aumentando a conveniência de investimentos em bens de capital. Em linhas gerais, a redução da taxa de juros também pode provocar aumento do consumo das famílias. Contudo, evidentemente, a SELIC não é, sozinha, a solução para o problema, já que a teoria econômica não fornece um retrato preciso da realidade, mas sim uma série de possibilidades. A taxa de juros, no Brasil, vem caindo sistematicamente desde 2016, e nem por isso foram verificados aumentos consistentes nos investimentos e no consumo. Existem outras variáveis responsáveis pelo desempenho da economia, e elas poderão ser analisadas de forma mais rigorosa em postagens futuras, que abordem especificamente esse tema.
Como ação para confrontar a crise, muitos economistas também propõem o aumento dos gastos do Governo, o que ajudaria a manter empregos e que, consequentemente, ajudaria a manter a renda das famílias. Contudo, no longo prazo essa medida é ineficiente, já que o Governo não poderia arcar com grandes gastos por um longo período de tempo. Seus recursos são finitos e suas dívidas não podem atingir patamares muito mais elevados do que os atuais. Uma hora ou outra, o Brasil será afetado pela crise em sua maior dimensão, mas há um certo consenso de que medidas econômicas devem ser tomadas para que a economia brasileira não tenha seu quadro clínico severamente prejudicado enquanto ainda houver isolamento social.
Portanto, o cenário atual é de grande apreensão, e não devem ser medidos esforços para combater a pandemia. O tradeoff entre salvar vidas e salvar a economia é inexistente. Se for rompido o isolamento social, a propagação do vírus se intensificará e milhões de pessoas podem ser acometidas pela doença, o que culminará em mortes e em imensa sobrecarga do sistema de saúde. As populações mais pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades, serão os maiores alvos do problema. Com pessoas morrendo nas filas dos hospitais e a crise se alastrando, a economia não terá quaisquer condições de se reerguer por um longo período de tempo.
As possíveis medidas de enfrentamento da crise poderão ser tratadas com mais ênfase em publicações futuras. Aqui, buscou-se expor a situação precária das favelas, mostrar o que pode ocorrer com os empregos e com a economia brasileira e, por fim, trazer em linhas gerais as possíveis soluções para o problema no curto prazo.
Referências
¹ < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52131989 > Acesso em 27/04/2020.
² < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/06/calor-esgoto-e-medo-ficar-em-casa-e-desafio-em-favela-marcada-por-miseria.htm > Acesso em 27/04/2020
³ < https://g1.globo.com/sp/são-paulo/noticia/2020/04/17/comunidade-da-zona-sul-de-sp-reclama-da-falta-de-agua-para-lavar-maos-e-se-proteger-contra-coronavirus.ghtml > Acesso em 27/04/2020
4 < https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,mesmo-com-pandemia-sabesp-mantem-medida-que-deixa-casas-sem-agua-a-noite-em-são-paulo,70003255809 > Acesso em 27/04/2020
5 < https://exame.abril.com.br/brasil/onze-favelas-no-rio-tem-casos-suspeitos-de-coronavirus/ > Acesso em 27/04/2020
6 < https://exame.abril.com.br/brasil/lideres-em-favelas-relatam-mais-casos-de-mortes-em-casa-pela-covid-19/ > Acesso em 27/04/2020
7 < https://covid.vozdascomunidades.com.br/ > Acesso em 28/04/2020
8 https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/15/internas_economia,844709/fmi-revisa-para-baixo-previsao-do-pib-e-diz-que-o-pior-esta-por-vir.shtml > Acesso em 27/04/2020
9 < https://oglobo.globo.com/economia/fmi-preve-que-recessao-global-do-coronavirus-sera-tao-ruim-ou-pior-que-crise-de-2008-24323227 > Acesso em 27/04/2020
10 < https://exame.abril.com.br/marketing/ongs-lancam-fundo-de-saude-e-vaquinha-para-ajudar-favelas-saiba-como-doar/ > Acesso em 27/04/2020
11 < https://www.bsocial.com.br/causa/fundo-emergencial-para-a-saude-coronavirus-brasil > Acesso em 27/04/2020
12 < https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajude-a-cufa-a-ampliar-seu-combate-ao-coronavirus > Acesso em 27/04/2020
13 < https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/11/favela-de-sao-paulo-vira-exemplo-em-acoes-contra-o-coronavirus.ghtml > Acesso em 28/04/2020
14 < https://auxilio.caixa.gov.br/#/inicio > Acesso em 28/04/2020
15 < https://www.gov.br/pt-br/noticias > Acesso em 28/04/2020
Excelente colocação, Manuel Arantes. Aguardaremos os próximos, pois o tema requer toda atenção e cuidado!
ResponderExcluirParabéns pelo texto, Manuel!
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