A Bolsa de Valores é Reflexo da Economia?

O índice Ibovespa e o PIB Brasileiro: qual a relação entre eles?

Tempo de leitura: 13 minutos
Por Manuel Vieira Siqueira de Arantes

“Bolsa sobe forte com bom humor do mercado”, “bolsa cai com expectativas ruins para o futuro”. Não é de hoje que essas frases aparecem nas manchetes dos principais jornais sobre finanças do Brasil, que tentam a duras penas explicar as oscilações diárias da bolsa de valores brasileira, a B3 (Brasil Bolsa Balcão). O principal indicador do comportamento da B3 é o Índice Ibovespa, que é recalculado quase instantaneamente durante o funcionamento do mercado e divulgado ao público geral. Esse índice é considerado o termômetro da bolsa brasileira, mas há quem também acredite que ele seja o termômetro de toda a economia do país. Isso é realmente verdade?

Na tentativa de responder a essa pergunta, busquei dados sobre o Ibovespa e sobre o PIB brasileiro trimestral entre 2010 e 2020 e apliquei a esses dados o coeficiente de correlação de Pearson. Os dados do PIB trimestral foram coletados no Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA e os valores são deflacionados em reais de 1995. Os dados do Ibovespa foram encontrados no próprio site da B3, onde estão disponíveis dados diários sobre o Ibovespa desde 1968. 



Nas notas de rodapé, incluí algumas informações importantes àqueles que não conhecem o Ibovespa [1] e os efeitos da SELIC na bolsa de valores [2]. Evitando entrar em detalhes técnicos, faço aqui somente uma ressalva: o Ibovespa é medido em pontos e atualmente está no patamar de 88 mil pontos, mas a variação do Ibovespa é mais importante do que o número de pontos em si, de modo que os altos e baixos do índice refletem os altos e baixos da bolsa de valores. Quando o Ibovespa estiver em alta, as manchetes dirão que o mercado está de “bom humor”, as compras de títulos sobem e impulsionam os preços das ações.

Hipótese

A hipótese que norteia essa pesquisa é de que os investidores tomam decisões de compra e venda na bolsa de valores utilizando, dentre várias outras informações políticas e econômicas, as informações trimestrais do PIB, variável macroeconômica mais importante de um país. Portanto, seria de se esperar que as variações do PIB provocassem também variações no Ibovespa, na mesma direção. Isso ocorreria porque o PIB é o valor agregado de todos os bens e serviços finais produzidos em um país, de modo que as empresas listadas na bolsa de valores contribuem diretamente para o desempenho dessa variável. Se as empresas em geral vão bem, o PIB vai bem. Logo, se as empresas vão bem, isso significa que seus lucros e dividendos estão maiores, o que incentiva a compra de ações por parte dos investidores.

Resultados

Para o cálculo da correlação entre o Ibovespa e o PIB trimestral, optei por fazer quatro abordagens diferentes, que são descritas abaixo.

O coeficiente de correlação mede o grau de associação entre duas variáveis. Quanto mais próximo de 1 ou de -1, maior é a correlação entre elas. Nas notas de rodapé, explico de forma mais detalhada [3].

Abordagem 1 

Nessa abordagem, calculei as médias aritméticas trimestrais do Ibovespa a partir dos dados diários. Tendo feito isso, correlacionei PIB e Ibovespa trimestre a trimestre, de 2010 a 2020. 


Cada PIB trimestral é correlacionado com o Ibovespa do mesmo trimestre.


O resultado dessa abordagem foi uma correlação igual a -0,143626957, o que sugere que a relação entre o PIB trimestral e o Ibovespa do mesmo trimestre é inversa, mas insignificante. Os movimentos do Ibovespa, portanto, não têm nenhuma relação com o PIB.

Abordagem 2

Devido ao resultado insignificante da abordagem 1, na abordagem 2 optei por uma maneira diferente de correlacionar os dados. Tendo em vista que o PIB trimestral só é divulgado mais de um mês depois do fim de cada trimestre, optei por usar o Ibovespa de 3 meses, mas não trimestral. Exemplo: os meses de fevereiro, março e abril de 2010 do Ibovespa são comparados ao PIB do primeiro trimestre de 2010, os meses de maio, junho e julho são comparados ao PIB do segundo trimestre, e assim por diante. A intenção era verificar se os investidores dão mais importância ao PIB na época em que ele é divulgado.

Nessa abordagem os trimestres são diferentes (fev, mar, abril/ mai, jun, jul/ ago, set, out/ nov, dez, jan)
, mas o PIB continua igual à abordagem 1.


O resultado da abordagem 2 foi ainda pior, com correlação de -0,127051211, novamente uma relação inversa, mas insignificante. 

Abordagem 3

Nessa abordagem, comparei o PIB trimestral com o Ibovespa do trimestre seguinte. Exemplo: PIB do primeiro trimestre de 2010 com o Ibovespa do segundo trimestre de 2010, PIB do segundo trimestre com Ibovespa do terceiro trimestre, e assim por diante.

Cada PIB trimestral é correlacionado com a média de pontos do Ibovespa do trimestre seguinte.


O resultado da abordagem 3 não diferiu muito dos anteriores, com correlação igual a -0,118503719, mostrando pela terceira vez que PIB e Ibovespa não são variáveis que caminham juntas.

Abordagem 4

Por fim, tentei uma última abordagem. Como os investidores tomam suas decisões com bases em suas expectativas para o futuro, seria válido supor que eles já saberiam de uma possível queda ou elevação do PIB meses antes de sua divulgação. Eles podem não conhecer o número exato, mas os rumores sempre circulam antes das notícias em si. Por isso, comparei o PIB trimestral com o Ibovespa com um mês de atraso, ou seja, o primeiro trimestre de 2010 englobaria os meses de dezembro de 2009, janeiro e fevereiro de 2010, e assim por diante.


Cada PIB trimestral é comparado ao Ibovespa trimestral com deslocamento de 1 mês para trás.

Por meio da abordagem 4, foi encontrada a maior correlação inversa entre as variáveis: -0,144749223. Contudo, esse valor é ainda insignificante.

Tentativa de Segmentação das Séries Históricas

Como último recurso, optei por segmentar os períodos das séries históricas de acordo com as variações da taxa SELIC. A separação ocorreu conforme a tabela abaixo.

Elaboração própria

Ao segmentar os períodos conforme a tabela e aplicar o coeficiente de correlação, alguns resultados foram significativos, mas não foi possível verificar um padrão. A correlação variou entre valores positivos e negativos com frequência. Cada abordagem (de 1 a 4) deu um resultado diferente, mas em nenhuma foi possível identificar um padrão de comportamento. Portanto, a segmentação das séries históricas de PIB e Ibovespa de acordo com a SELIC não surtiu o efeito desejado.

Conclusão

Agradeço ao leitor que não desistiu de ler e que chegou até aqui, a pesquisa foi mais técnica do que o conteúdo geral do blog, então era inevitável que o texto ficasse um tanto quanto maçante. 

Foi possível concluir, a partir da pesquisa feita, que o Ibovespa, que é o mais importante índice representativo da bolsa de valores, não estabelece correlação com os resultados trimestrais do PIB. A hipótese de que os investidores levam o PIB em consideração não foi comprovada e isso pode ter ocorrido por vários motivos. Dentre eles, menciono que as decisões de compra e venda de ações na bolsa de valores se baseiam, muitas vezes, na situação política do país, deixando de lado a informação macroeconômica mais relevante, que é o produto. Além disso, a euforia e o pessimismo exacerbados são coisas comuns nos mercados financeiros, o que influencia fortemente o comportamento do Ibovespa.

Ivan Sant'Anna, autor do livro 1929: Quebra da bolsa de Nova York: a história real dos que viveram um dos eventos mais impactantes do século, narra em sua obra de forma detalhada a ocorrência da maior crise financeira ocorrida no mundo. O autor mostra que a euforia, as superstições e a crença de que os títulos sempre subiriam de preço foram os grandes impulsionadores da quebra da bolsa de Nova York. Os títulos atingiam preços astronômicos sem nenhum fundamento, mostrando que a situação econômica de um país pode ser facilmente ignorada pelo mercado financeiro. 

No livro Aventuras Empresariais, John Brooks narra, dentre vários outros assuntos, o que ocorreu nos EUA nos anos 60, o chamado Crash de 1962. As ações começaram a cair logo no início do ano de uma maneira sistemática, mas os seus sinais não foram percebidos pela maioria dos acionistas. Em maio, a crise se intensificou.

"Tratava-se de um processo no qual todas as ações estavam declinando em ritmo rápido e constante, em um volume enorme."

Não se sabia o motivo da queda e nem até quando ela aconteceria. O pânico foi generalizado, mas o chamado "clima de negócios" melhorou após alguns dias, erguendo novamente os preços das ações. O ritmo de negociações havia sido frenético nas vendas, e agora se tornava frenético nas compras. O autor mostra alguns possíveis motivos para a recuperação da bolsa, mas acaba por concluir o seguinte:

"Em última análise, a causa da crise de 1962 permanece imperscrutável; o que se sabe é que ela ocorreu, e que algo semelhante poderia ocorrer de novo."

Ao final do capítulo, o autor transcreve o que disse uma pessoa não identificada após o crash de 62:

"Acho que as pessoas podem ficar mais cautelosas durante um ou dois anos, e depois poderemos testemunhar outro aumento especulativo seguido por outro crash e assim por diante, até que Deus torne as pessoas menos gananciosas."

Hoje, 2 de junho, o Ibovespa atingiu novamente a marca de 90 mil pontos após ter caído abruptamente por conta da pandemia. Os resultados do PIB do primeiro trimestre de 2020 foram divulgados há alguns dias, mas isso não pareceu desanimar os investidores. As perspectivas econômicas do Brasil para 2020 são ruins e vêm sendo cada vez mais recalculadas para baixo, mas ainda assim a bolsa de valores brasileira sobe a passos largos.

Aqui foi feita uma análise utilizando apenas o PIB, e ainda assim não foi encontrada uma correlação com o Ibovespa. Se tivessem sido levados em consideração fatores como distribuição de renda, dívida pública, desemprego e inflação, a correlação poderia ter sido ainda menos significativa (e talvez espúria). Portanto, os mais de 2 milhões de investidores físicos da B3 não correspondem ao desempenho econômico do país.

Notas de rodapé:

[1] O Ibovespa começou a ser computado em 1968, e desde então tem monitorado ininterruptamente a B3. Naquela época, foi criada uma carteira de 17 ações hipotéticas no valor total de 100 cruzeiros novos. Essas ações eram as mais negociadas no pregão e, portanto, seriam também as mais representativas do desempenho da bolsa. As ações incluídas no Ibovespa mudam quase diariamente, assim como a quantidade de cada título nessa carteira hipotética, de modo que agora, em 2020, o índice seja composto por 75 ações, algumas da mesma empresa, com a Petrobrás, que tem duas ações diferentes no índice. Para saber mais sobre o Ibovespa, clique aqui.

[2] De uma maneira geral, quando a taxa SELIC cai, o volume de negociações na bolsa de valores sobe, porque as aplicações financeiras em renda fixa, como o CDI e o CDB, começam a render menos e se tornam menos vantajosas do que eram antes. Assim, uma redução da SELIC, como ocorreu em 2016, supostamente aumentaria o Ibovespa. Em contrapartida, uma alta da SELIC, como ocorreu em 2014 e 2015, provocaria uma queda do volume de negociações na bolsa e afetaria o Ibovespa negativamente. As ações de bancos comerciais tendem a cair quando a SELIC cai, porque agora eles emprestarão dinheiro a uma taxa de juros mais baixa; seus lucros cairão, bem como os dividendos pagos aos investidores.

[3] O coeficiente de correlação busca verificar se o comportamento de uma variável (o Ibovespa, por exemplo) é parecido com o comportamento de outra (como o PIB). Se o valor for negativo, isso significa que quando uma variável sobre, a outra cai. Se for positivo, as duas variáveis caminham juntas, quando uma sobe a outra sobe, e quando uma cai a outra cai. Uma correlação espúria é a tentativa de associar duas variáveis que não têm nada a ver uma com a outra, como o PIB brasileiro e o desemprego na América Central. A correlação entre PIB e Ibovespa não é espúria, porque existe uma teoria que interliga essas duas variáveis. Contudo, sua correlação foi tão pequena que podemos afirmar, com segurança, que as duas variáveis não se movimentam em conjunto, cada uma segue sua própria trajetória independentemente do que ocorre com a outra.



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