Boa economia para tempos difíceis: a questão imigratória.

A imigração faz mal para uma sociedade?

Lucas Ribas, 27/04/2020

Esse texto é o início de uma série sobre o excelente livro Good Economics for Hard Times, dos últimos ganhadores do nobel de economia Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo. Em toda obra, os autores fazem um trabalho excepcional em quebrar paradigmas sociais e econômicos de maneira simples e baseada em fatos e experiências científicas. Esse é talvez o legado mais importante do livro: a necessidade do arcabouço científico e empírico nas decisões dos agentes políticos e na formação de opinião por parte da sociedade civil.

Desmistificando preconceitos

O capítulo intitulado " From the mouth of the shark" discorre sobre as questões imigratórias atuais e teve como principal inspiração a discussão  na campanha presidencial americana de 2016 (todos se lembram do famoso lema "Build the wall", citado exaustivamente pelo então candidato republicano Donald Trump, ao se referir às restrições aos imigrantes latinos no país). A discussão no Estados Unidos não foi caso único, sendo a questão imigratória presente e relevante em quase todas as corridas eleitoras e discussões políticas importantes  desde 2015, sendo a decisão pelo Brexit uma das mais marcantes.

No ápice da crise migratória de 2015, havia um discurso por parte conservadora da Europa que a imigração de árabes para os países mais desenvolvidos no velho continente trariam perdas de empregos dos nativos e que a cultura dos imigrantes de alguma forma "deturparia" o status quo de Berlim, Paris, Milão e outras tantas capitais europeias. Era comum ver um discuro claramente xenófobo em relação aos imigrante, buscando se usar qualquer acontecimento negativo praticado por sírios, iraquianos, iemenitas para justificar políticas restritivas. Fake news relatavam que a cultura do Oriente Médio era de muitos filhos e que em alguns anos eles se tornariam maioria e as mesquitas e burcas dominariam o continente europeu, sendo necessário barrar esse grupo de pessoas de se estabelecer no Velho Continente, seja impedindo barcos abarrotados de famílias atracar em solo europeus ou barrar a entrada na Turquia na UE.  

A União Europeia recebe entre 1.5 milhão e 2.5 milhões de imigrantes não europeus por ano. Isso representa, de fato, menos que 1% da população da UE, sendo a maioria migrantes legais e com ofertas de trabalho. O influxo maior em 2015 e 2016 já estava normalizado dois anos depois. 

No entanto, a percepção da população europeia é muito deturpada. Em uma pesquisa na Itália, a percepção de números de imigrantes foi de 26%, enquanto o real percentual era de 10%.. Esse alarmismo foi muito usado pela candidata a presidência da França, Marine Le Pen. Ela constantemente hiperbolizava os números de imigrantes para corroborar com sua agenda segregacionista e xenófoba. Le Pen afirmava que 99% dos imigrantes era homens adultos (verdadeira porcentagem é de 58%) e que 95 dos imigrantes alocados na França eram "cuidados pela nação", sendo que mais da metade desses imigrantes estavam na força de trabalho. 

Fica escancarado o cunho político da maioria  daqueles que adotam posições anti-migratórios.  Baseando-se em achismos e dados deturpados para legitimar seus comportamentos preconceituosos, essas pessoas estão muito mais preocupadas em manter a uniformidade étnica de seu país do que com a perda de empregos. 


Caso você pergunte a alguém que se declara contra a imigração o porquê, certamente você receberá uma resposta similar com "eles vão roubar nossos empregos!". Para quem entende o básico de oferta e demanda, entretanto, sabe que um aumento de trabalhadores aumenta a oferta de trabalho e aumenta também a demanda, uma vez que esses novos habitantes frequentarão supermercados, restaurantes,eles alugarão imóveis e etc. Seria necessário um estudo bastante aprofundado na realidade de cada país para se constatar qualquer relação da imigração e mercado de trabalho, mas as pesquisas mais recentes dizem que não há perda no nível de renda dos habitantes "nativos" e inclusive há maior geração de empregos nas áreas de recebem migrantes.

Os empresários não irão contratar uma nova força de trabalho pelo simples fato que estes estão dispostos a receber menos, porque (i) a diferença de salários dentro de uma empresa é extremamente danosa à produtividade dos trabalhadores e (ii) como apontou o futuro nobel Joe Stiglitz, os empresários não pagarão o mínimo aos trabalhadores(salário reserva), também para evitar uma produtividade menor e altos índices de turn-overs.

Manifestantes a favor da construção do muro entre os Estados Unidos e o México.


Medo de errar

É intuitivo pensar que diante da possibilidade de melhorias na qualidade de vida e no nível de renda em outras regiões as pessoas não exitariam em mudar buscar essa oportunidade. Não estou falando apenas de mudanças de países, mas sim de migrações internas, algumas com poucos quilômetros de deslocamento. É óbvio que um trabalhador não exitaria em se locomover a uma cidade próxima para aumentar seu salário. 

Não é isso que  as experiências citadas pelos autores apontam. Quando se forneceu um incentivo financeiros para os trabalhadores de áreas mais rurais trabalharem em centros mais urbanos até se observou uma significante aderência desses trabalhadores ao incentivo. Quando se tirou o incentivo, a maioria dos participantes do experimento voltaram as suas regiões, não trabalhando mais nas cidades urbanas, mesmos que nessas a remuneração fosse muito maior do que no campo.

O que os autores queriam mostrar citando essa experiência é uma das principais falhas no pensamento e na didática econômica: a ideia homem racional. Seguindo essa racionalidade, todos os trabalhadores deveriam se empregar em atividades que otimizassem sua força de trabalho. O que ocorre, no entanto, é que é preciso ter muita coragem para fazer essa migração. As pessoas tem medo de falhar, medo de ficarem longe da família e amigos e de enfrentar um ambiente desconhecido. A maioria das pessoas não são aventureiras e desbravadoras, elas querem se sentir acolhidas e encontram isso permanecendo próximas ao local onde passaram a maior parte da vida. 

Outra ideia contra intuitiva é que as migrações diminuem em períodos de crise. O processo de se mudar para outro país, mesmo que ilegalmente,  é custoso e e quando a renda da população cai é a quantidade de pessoas que podem arcar com a operação segue na mesma direção. 

O que fazer sobre os imigrantes?

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Imigrante venezuelano recebe auxílio ao adentrar em solo brasileiro depois da publicação da Lei do Auxílio de Imigrantes, em 2018. 


No fim do capítulo, os autores concordam que a imigração traz inúmeros benefícios sociais e econômicos. Alguns mais explícitos e outros nem tanto, como a maior participação das mulheres no mercado de trabalho naquelas regiões onde ocorrem as emigrações (maior parte dos migrantes são homens, solteiros e com idades entre 20 e 30 anos.)

Não basta apenas abrir todas as fronteiras e esperar um aumento do PIB, deve haver uma política de integração ampla. Os autores citam a oferta de assistência de residência, o fechamento de contratos de emprego pré-migração e o auxílio destinado as crianças em creches. Políticas desse tipo já são adotadas em países como Suíça e Dinamarca, que sofrem com o déficit demográfico e a consequente diminuição da força de trabalho. Esse déficit chegará em um futuro próximo para nações desenvolvidas e em desenvolvimento, sendo latente a importância de criação de políticas públicas para se lidar com a questão migratória  e torna-la uma externalidade positiva às economias.

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